Proibida a entrada de maiores de 9 anos

Giovanna Nardini
3 min readMay 25, 2021

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Quando eu era criança, minha mãe me levava pra brincar no parquinho perto de casa. Era um parquinho desses com gira-gira, escorregador, balança, gangorra, chão de areia. O que hoje as crianças devem chamar de playground, talvez. Era tudo muito simples, aqueles brinquedos de metal e madeira, todos pintados em cores primárias — azul, vermelho, amarelo. Desses que você já viu milhares de vezes. E tudo ali me deixava feliz. A mera notícia de que iríamos no parquinho me deixava animada.

Esse parquinho ficava a algumas ruas de distância de casa, dentro de um clube ou alguma coisa assim. Eu nunca soube exatamente o que era aquele lugar. Sempre via uns senhores jogando dominó, conversando, sentados ali. Mas no parquinho em si, raramente havia outras crianças. Acho que hoje eu poderia pesquisar na internet e descobrir, mas eu não quero.

Em algum momento eu comecei a chamá-lo apenas de Parque.

“Mãe, me leva no Parque hoje?”

Veja bem, quando era criança, eu nunca havia ido num parque de verdade, como o Ibirapuera ou coisa que o valha. No bairro onde eu morava não existiam parques. Apenas o parquinho.

Eu me lembro exatamente da disposição de cada um dos brinquedos ali, da felicidade que eu sentia quando estava lá. Do escorregador de metal que ficava quente embaixo do sol, então precisava primeiro pôr a mão pra ver se era possível escorregar nele vestindo shorts. Do gira-gira que chegava a uma velocidade muito rápida e radical e eu achava que ia sair voando. Do brinquedo de escalar que eu tinha medo, mas subia sempre. Das balanças com as correntes meio enferrujadas e a vontade de ir cada vez mais alto, mais alto, mais alto. Era também o momento em que minha mãe voltava do trabalho, à tarde, e a gente ficava juntas. Tudo muito precioso.

Na parede do fundo, tinham alguns avisos pintados na parede, nas mesmas cores que os brinquedos. Coisas do tipo: não subir na balança em pé, não jogar areia. Para manter o mínimo de ordem caso algum dia estivessem muitas crianças lá — o que eu nunca vi. Mas um dos avisos me chamava a atenção, escrito em letras grandes e vermelhas: “Proibida a entrada de crianças maiores de 9 anos”.

Quando eu comecei a frequentar o parquinho, devia ter uns 3 anos, talvez menos. Então a primeira vez que fiquei sabendo disso, minha mãe havia lido pra mim. Eu pensava que talvez ela estivesse brincando, querendo me assustar.

Como assim chegaria um dia em que eu não poderia ir no parquinho?

Desde que eu fiquei sabendo disso, essa informação me atormentava de um jeito que eu não tenho nem palavras para descrever. Depois eu aprendi a ler, com 4 anos, e toda vez que estava lá eu lia aquele aviso e sentia um pavor imenso. Quando nasceu minha irmã, levávamos ela ao parquinho também e eu pensava que chegaria um dia no qual ela poderia brincar lá, mas eu não.

Eu ficava pensando como seria quando chegasse esse dia. Será que ia ser triste? Será que eu poderia burlar essa regra e continuar brincando? Afinal, nunca tinha ninguém ali. Era um sofrimento real que passou a me acompanhar toda vez que eu estava brincando lá. Nunca passou pela minha cabeça que, talvez, depois dos 9 anos eu não iria querer estar ali. Aquele era um lugar muito especial pra mim.

Pois bem.

Com 8 anos eu me mudei daquela casa.

O parquinho se tornou muito longe, eu nunca mais estive lá.

O pesadelo de não poder brincar nesse parquinho nunca aconteceu.

Hoje, vinte anos depois disso tudo, às vezes eu penso no quanto de diversão essa ansiedade tirou de mim. Medo de um problema que estava muitos anos no futuro, que nunca sequer aconteceu.

Me policio para que eu não deixe isso acontecer de novo. Mas acontece — sempre acontece. Qualquer pessoa com um transtorno de ansiedade sabe como é essa sensação. Mas mesmo assim tento pensar nisso e simplesmente aproveitar o parquinho. Ir mais alto na balança, girar mais rápido. Sentir a areia entrar no meu sapato. Simplesmente estar ali.

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