Pessoas Normais não é uma história da sessão da tarde

Giovanna Nardini
4 min readNov 16, 2020

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Um livro sobre a falta de habilidades sociais da juventude contemporânea

algum tempo atrás, todo mundo estava falando sobre Pessoas Normais. Toda vez que eu olhava stories no instagram, alguém estava comentando sobre livro. Falando em tempo de pandemia, “há algum tempo atrás” significa qualquer momento entre março e novembro, eu já nem sei. Esse ano também lançaram uma série dessa história, e eu acho que foi daí que partiram os comentários todos (mas eu não assisti ainda— então o que eu vou escrever aqui diz respeito somente ao livro).

Também em algum ponto desse ano eu comecei e o adotei como meu livro-de-antes-de-dormir. A minha regra sobre esses livros é que precisam ser histórias mais ou menos leves, que me descansem, são basicamente os livros que eu leio no Kindle, deitada no escuro por uns 15 minutos. Então comecei a leitura achando que ele se encaixava perfeitamente nessa categoria de livro-sessão-da-tarde, e por um tempo ele realmente se encaixou, até que não encaixou mais e foi se afastando cada vez mais desse padrão.

Pessoas Normais tem dois personagens principais, Connell e Marianne. Os dois moram numa cidade pequena na Irlanda, daquele tipo de lugar onde todo mundo conhece os vizinhos e onde existe todo o tipo de gente cruel com os outros. Os dois são protagonistas na mesma medida, na verdade, eu poderia dizer que o real protagonista dessa história é o relacionamento deles dois. Eles se conhecem na escola, onde Connell é popular-bonitinho jogador do time da escola, e Marianne é sozinha, calada, sofre uma série de violências cotidianamente, tanto na escola quanto em casa. Ficam amigos porque a mãe de Connell trabalha para a família de Marianne. A amizade deles vai se transformando num relacionamento muito, muito complexo, já que eles tem uma conexão muito forte, transam todos os dias e na escola um não olha no rosto do outro. Nada disso é spoiler, ok? Isso tudo acontece bem no comecinho.

Daí pra frente o livro começa a abordar assunto seríssimo e bem pesados. Não é, absolutamente, um clichê. É sobre duas pessoas que crescem e amadurecem juntas, ainda que constantemente estejam separadas. Não é só sobre um primeiro amor, mas a história de dois adolescentes/jovens adultos que estão tentando se entender, entender o mundo, as pessoas, a sociedade em que vivem. Mais do que uma história sobre pessoas jovens que os trata com aquele desdém dos mais velhos, com um tom de “bobinhos, não sabiam a vida boa que tinham! no meu tempo…”, na verdade a autora leva o drama deles muito a sério.

Trata da juventude contemporânea, num mundo onde as informações chegam de todos os lados, com muita rapidez, e muitas vezes não aprendemos a lidar e a processá-las.

Em algum ponto, os lugares dos dois se invertem e Marianne, que era muito isolada socialmente, passa a estar sempre cercada de pessoas, e Connell, que era popular na escola, se vê cada dia mais sozinho. É também uma história sobre a solidão, apesar dos dois estarem quase sempre juntos ou rodeados por pessoas. Sobre a solidão causada pelo distanciamento que a vida adulta traz, pela falsa impressão de que as redes sociais significam proximidade (ou significam qualquer coisa que seja), pelo muro construído entre as pessoas pelo dinheiro que elas tem ou não tem, pelas dificuldades em se comunicar, em comunicar sentimentos. Principalmente, é uma história sobre pertencimento, sobre encontrar o seu lugar no mundo e ser livre para se ser quem é de verdade. Por que parece que isso é um desafio maior a cada dia?

Alguns outros temas são tratados pela autora, mas não vou me alongar sobre cada um. De acordo com a cronologia do livro, eu sou só alguns anos mais velha que os personagens principais, o que fez com que eu me identificasse muito com os dois, em diferentes momentos, e com as situações que eles vivem. No fim, esse livro me surpreendeu muito em todos os sentidos, foi uma leitura muito mais profunda e reflexiva do que eu tinha imaginado. Acho que é um livro fundamental para os dias de hoje, onde todas essas questões estão muito latentes, já que o mundo está mudando sempre mais rápido do que conseguimos acompanhar. Mudanças na tecnologia, na forma de fazer as coisas, na forma de pensar, na forma de se relacionar com as pessoas, tudo isso afeta as pessoas muito profundamente. É urgente que a gente comesse a pensar sobre isso se quisermos ter ainda um pouco de paz.

Uma resenha sobre Pessoas Normais, de Sally Rooney. Imagem de um livro escrito “things I wantes to say but never did”
“Coisas que eu queria ter dito, mas nunca disse”

Pessoas Normais, da autora Sally Rooney, foi lançado em 2018 (e em 2019 em português pela Cia. Das Letras).

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